Belle Chase Hotel - La Toilette des Étoiles (2000)

Miragem de uma praia de nicotina. A salvo do sangue percentual: onde o álcool, a música e a poesia se entranham ao pé no sol, grão a grão. A praia que dança sempre, sozinha ou acompanhada, na presença das estrelas. A praia das palavras das línguas afiadas; onde os peixes vêm descansar da Natureza; onde o perfume é do sensual cabaret. Arrumem os braços num único movimento esclarecido. Num outro, levantem a cabeça, o queixo; fechar os olhos e, pé ante pé, passo sobre passo, agarrar o tango, a música, apaixonadamente. Deixar correr o ardor corpo fora. Penetrar o salão impiedosamente. Estamos aqui, quisera Baudelaire, para nos embriagarmos. La Toilette des Étoiles começa pelo próprio nome. E desde cedo percebemos que o som que nos rodeia, que nos espanta o tédio, que nos dança, é nó duradouro. É assim porque já não sabemos onde pára o oxigénio e, no entanto, a respiração continua – ora para dentro, ora para fora. E do meio de um lago irrequieto, entre imponentes árvores verdes a tocar o sol, vemos uma espécie de onda-carpa aqui, ali, do outro lado: São Paulo 451, Merry-Go_wrong, Paganini’s Fire, Evil Rock, Not searching for the real thing, Light Movie, Star Patrol, Mirago, outras. Do tango ao rock; do jazz aos blues, encantam, levam coisas com elas – a lucidez da razão, por exemplo. Às tantas, viajamos Paris e Veneza, misturadas, uma só. E é como se a música fosse também o encontro das duas. Da boémia ao romantismo. Os Belle Chase Hotel estão equipados de excelentes musicomens: JP Simões, Raquel Ralha, Pedro Renato, Antoine Pimentel, João Baptista, Luís Pedro Madeira, Sérgio Costa, Filipa Cortesão, Marco Henriques, Joe Gore e, neste, a ajuda de João Madeira no coro de Paganini’s Fire. Mas permitam-me três ressalvas: 1) Raquel Ralha – pela atitude na voz (ou a voz na atitude); 2) Luís Pedro Madeira – pelo melotron, hammond, vibrafone, bandolim, banjo, clavichord, theremin, acordeão, piano, percursões, rhodes, bazooki e coros; e 3) JP Simões – pelo mesmo que Raquel Ralha, mais a sua brilhante escrita, na qual me perderia em citações:
La Toilette des Étoiles: «La vie, toujours plus ordinaire et merveilleuse».

São Paulo 451: «Amanhã não estaremos aqui veja se bebe um pouco e sorri e tira esses olhos do chão! O futuro é lindo: eu já vi! E o avião vai directo para lá! Vamos embora dessa aflição!». (JP Simões respira aqui o amor a Chico Buarque; por todos as letras, desenhos de voz, sotaque dos lados do Brasil)

Paganini’s Fire: «love is a bomb now, love is a nuclear desire».

Light Movie: «So, come on and call me superficial, like the sun does to the sea: I’m here for the wine and some other time I’ll solve the world’s greatest mysteries».

O brotar do novo milénio trouxe à música, mais que uma confirmação depois de Fossanova, em 1998, um grande disco; uma banda a afogar-se em ideias, vontade e saber. La Toilette des Étoiles é para ficar na prateleira dos discos sem pó: sempre em movimento. Custa a conhecer, talvez: estranha-se. Mas – e Pessoa começa a ser recorrente – entranha-se com a facilidade de quem dá à luz.«I’m not expecting revolutions on the animal farm, ‘cause when the wolves find a solution every little bird must die»
Hugo Torres (2005)





Comments

Mário André said…
um excelente contributo para a construção da biografia de uma das mais surpreendentes bandas portuguesas... salve

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