Uma entrevista ao JP...

Detalhes sobre a versão aumentada de "Fossanova", o balanço do ano que se sucedeu à saída do disco original, os projectos para o novo disco, bem como os preparativos para o concerto de encerramento da digressão de 1999 (Aula Magna, 28 de Novembro), foram alguns dos assuntos da conversa com J.P. Simões, cançonetista dessa pandilha de animadores que dá pelo nome de Belle Chase Hotel.


Praticamente um ano depois da saída de "Fossanova", é altura ideal para perguntar: correu tudo como esperavam?
Sim, agora que passou um ano, o tal prognóstico no final do jogo: acho que correu tudo como estamos agora a pensar que poderíamos ter pensado no princípio como poderia ter corrido, ou seja, não houve expectativas nenhumas ao princípio. A coisa foi crescendo aqui na praça, por assim dizer, e acho que a banda foi-se consolidando - depois desconsolidava-se, enfim o dia-a-dia da vida conjugal de nove pessoas - e acho que neste momento está tudo com vontade de renovar esforços de reinventar um pouco, pois já estamos um pouco fartos de estar sempre a tocar a mesma coisa. Não que esteja a dizer mal da música, nem do trabalho, mas foi um tempo bastante cansativo. Estar a tocar todos os dias e de um lado para o outro e acabar por chegar àquele estado de estranheza em que repetes tanto uma palavra até que ela começa a perder o sentido.


"Fossanova" vai ser também distribuido em Espanha. Como achas que o público espanhol vai acolher o disco?
No lo sei. Pero que se fizermos las versiones poliglotias del recuerdio podriamos, no lo sei, atingir el gran público espanhuel con las versões de ro, de música rock, de las nuestras músicas. Yo espiero bien que lo consigamos (o meu castelhano está em forma, sem dúvida). E vamos ter que, em princípio, fazer o frete de ir promover o disco a Espanha. "Tapas" do ofício! (risos)


Nove elementos, contigo em Lisboa... Como é que é para os Belle Chase Hotel ensaiarem e, ainda mais, trabalharem em novos temas?
É complicado. O que tem havido ultimamente é que, depois desse tal período de desgaste, ficámos um pouco fartos uns de todos os outros, o que acho que acontece naturalmente. Houve agora um período de descanso, pelo menos da minha parte, e acho que ainda estão para acontecer as sessões mais importantes, onde vamos estar todos juntos, discutir e andar à pancada e reinventarmo-nos, espero eu. Há alguns temas que já estão feitos e que temos tocado nos concertos. Andámos também aquele período a fazer as versões e a gravá-las para a reedição do disco. A minha parte do trabalho está bastante atrasada, como é costume. Estou à espera que me caia um anjo em cima, com os dez mandamentos das líricas.


Como está a correr a preparação para o segundo álbum?
Não sei se está a ser lenta se está a ser rápida demais. Para mim está a ser lenta porque estou um pouco afastado do que está a acontecer. Acho que o Pedro [Renato] tem andado a trabalhar nas músicas e eu tenho tido contacto com algumas coisas, mas não tenho tido a oportunidade de dar qualquer tipo de dica porque não tenho estado por lá. Trouxe uma gravação algo primitiva e, francamente, acho que vamos todos fazer um esforço para nos surpreendermos, mas para já isso não está a acontecer.


Quando prevêem ter o álbum pronto?
Se tudo correr bem, antes da Primavera, espero. Seria bom lançar um álbum de Primavera. "Primaveranova"... Em princípio o álbum vai-se chamar "Fin de Semaine". Vai ser um álbum sobre a nova sociedade lúdica, sobre os macro organismos e os processos e mecanismos económicos e lúdicos que iludem o consumidor médio em relação ao mundo, ou seja, dão a sensação de que está tudo a correr bem, desde que se possa ir consumindo e estando nos hipermercados. E faz-se, então, a celebração irónica deste grande período na evolução da humanidade, que é o "emburrecimento" total no "fin de semaine", um "fin de semaine" longo e cheio de bolinhos bons, pãezinhos, coisinhas doces, importadas, exportadas... Todas as noites há festa, com muito vodka sempre a correr... Fala-se mal da droga mas ela é uma indústria florescente... Tudo isto é o que nós pretendemos abarcar enquanto retrato musical vivo deste estágio do mundo, um mundo enquanto "fin de semaine".


A exploração desse conceito faz-me lembrar uma outra pergunta: que projecto foi aquele da "Belle Morta" [projecto que previa a colaboração mútua entre Mão Morta e Belle Chase Hotel]?
Foi um projecto que morreu pelo caminho. Pela minha parte - não sei como isso ficou em relação às outras pessoas - a coisa foi naturalmente esquecida, pois também foi feita um pouco à pressa, feita com um entusiasmo um pouco inconsistente. Não chegou a haver uma aproximação mais clara com os Mão Morta, nem se se chegou a fazer nada de concreto. Tanto que depois a oportunidade e a circunstância onde aquilo iria ter sentido passou e acabámos todos por esquecer a ideia. A príncipio, o que criou curiosidade era saber como se iria juntar estes universos tão diferentes. Fazer uma coisa chamada "Belle Morta" ou "Mão Chase", já por si uma definição engraçada, utilizar aquele sangue constante nos Mão Morta para tingir uma roupa fina para sair à noite, enfim... Podia ser talvez um produto híbrido engraçado, mas ficou só pelas expectativas.


Ainda sobre o próximo álbum, há o rumor de que vocês falaram com Joe Gore, o guitarrista dos Tom Waits, para produzir o disco. É verdade?
Há essa possibilidade. Temos contactos nesse sentido.
Desde a saída de "Fossanova", quais foram, na tua opinião, os melhores e piores concertos?
Dos piores não me lembro. Eu tenho uma dificuldade grave que é não me lembrar muito bem dos piores concertos - e talvez por isso eles tenham sido muito maus. Digamos que por vezes se peca de excesso de entusiasmo. Dos melhores concertos desde que o álbum saiu, demos um concerto em Aveiro que foi muito bonito. Falo em termos simbióticos, o público... O concerto na Festa do Avante, dentro destes últimos, também foi um concerto notável. Ficámos abismados com a reacção do público. Todo aquele sentimento de fraternidade tremenda, aquela cumplicidade extrema das pessoas... Tens aquela sensação de que nesses concertos criaste um monstro...


"Fossanova" foi agora reeditado com um cd-bónus. Existe também uma edição especial em vinilo. O que é se pode encontrar de novo?
Na reedição há duas versões que podem ser consideradas "trans-sexuais", que é uma música de Tom Waits ["Telephone Call from Istambul"] cantada pela Raquel Ralha, nossa distinta cançonetista, e uma música que era originalmente cantada, pela Shirley Bassey, "Goldfinger", interpretada por mim, cançonetista de serviço. A seguir temos uma nova mistura do tema "Fossanova" e depois duas remisturas mais electrónicas do tema "Living Room", feitas pelo Arkham Hi*Fi e pelo Alex FX. Isso são os bónus traques, por assim dizer. Em relação ao vinilo, o disco aparece mais como uma reinterpretação do "Fossanova", ou seja, muitos dos temas foram retirados não da produção final mas das maquetas antigas, havendo ali um retempero, por assim dizer, daquilo que foi o "Fossanova". Uma espécie de procura de genuinidade. No fundo, é mais uma peça de coleccionador. Mais um petisco para o coleccionismo de alguns elementos da banda e de outros amigos.


Como surgiu a escolha das duas versões? Foi uma vontade unânime à partida ou surgiram como escolhas pessoais?
Foi mais a segunda hipótese. Acho que no nosso funcionamento global, o unanimismo só aparece quando já não outra hipótese. O "Telephone Call..." era uma música que nós já tocávamos desde o início. Acontece que tocávamos outra música do Tom Waits, "More than Rain", mas como os acordes eram praticamente iguais, houve a ideia de retraduzir aquilo para uma outra música do Tom Waits, pondo a Raquel a cantar, fazendo uma espécie de pastiche "afrancesado" daquela versão surrealista do tipo que recebe um telefonema de Istambul do seu amor, naquela habitual "melancolia de auto-estrada/cafezinho perdido de camionistas no fim da noite" do Tom Waits. O "Goldfinger" foi proposto pelo Pedro. Depois de feita, começou-me a soar bastante bem, como uma música de Belle Chase Hotel, na medida em que a descontextualização "jamesbondica" da coisa ocorreu, o que acho que se conseguiu substituindo a voz épica da Shirley Bassey por um registo mais soturno, e quase de confidência, que eu faço nete "Goldfinger". A música é quase uma ironia e um aviso à navegação relativamente a este fascínio dos agentes de investigação cosmopolitas. Toda essa envolvência que neste preciso momento da história da humanidade é uma coisa puramente comercial. O "Goldfinger" pode ser uma bela e grave metáfora do multinacionalismo económico e de todas as suas promessas de amor. Como diz a letra: "Pretty girl, beware of his heart of gold / This heart is cold."


Que se pode esperar de formalmente diferente no concerto do próximo dia 28, na Aula Magna, onde vão encerrar a digressão de "Fossanova"?
Pela minha parte, mandei arranjar um fato do meu avô, um belo fato que lembra, eventualmente, os colonos de Havana dos anos 50, de corte italiano, com uma cor de branco pérola, um pérola a fugir tendencialmente a fugir para o tom do castanho e não do cinzento. A ideia seria esgravatar ao longo do concerto esse fato até me reduzir à situação semi-nua do magricela patético, forçadamente humano. Acho que vamos contar outra vez com o nosso querido animador teatral, Sua Excelência Ricardo Seiça, grande antropólogo do teatro, para reinventar algumas das músicas, talvez algumas das novas. Pensámos num mágico, mas acho que ele desapareceu. Estava aqui mesmo agora! *


Entrevista feita por: Vítor Junqueira in "MusicNet"(http://www.musicnet.forum.pt)
Novembro de 1999


Comments

Popular Posts